Para poder servir a justiça letrada, os recém-formados pela Universidade de Coimbra ou, de facto, os detentores de uma formação em direito, uma vez que não estavam excluídos os formados por universidades estrangeiras, deviam submeter-se a uma selecção promovida pelo tribunal do Desembargo do Paço, que era a instituição responsável pela gestão do aparelho judicial português. Este exame é designado genericamente por "leitura de bacharéis" era composto, na prática, por dois momentos. No primeiro momento, o Desembargo do Paço promovia uma investigação ao candidato e aos seus ascendentes mais directos (pais e avós), por forma a garantir que eles preenchiam os critérios que definiam o ideal do juiz letrado: ser cristão-velho e viver de forma nobre, não quebrando a ortodoxia católica nem provindo de famílias de "oficiais mecânicos", isto é, de pessoas que vivessem do seu trabalho - literalmente, que para trabalhar usassem as suas mãos denotando, dessa forma, a pertença aos escalões mais baixos da sociedade. Eram as chamadas "habilitações para a leitura de bacharéis". Um ou mais juízes que servissem nas terras de onde a família do candidato fosse originária, deslocavam-se ao terreno, ouviam um conjunto de testemunhos e produziam um parecer sobre a conformidade do candidato com os critérios estabelecidos por lei. No momento das habilitações, o candidato devia, igualmente, fazer prova de não possuir "culpas" formadas contra si e de que assistira nos auditórios dos tribunais pelo tempo previsto na lei. No caso de ser aprovado nas habilitações, o candidato avançava para o exame propriamente dito, a "leitura", que tinha lugar no Desembargo do Paço. A partir de um sorteio de temas, feito de véspera, o candidato devia proferir uma lição, "leitura", perante um júri composto por desembargadores do Paço, os juízes mais destacados do reino. O júri votava a qualidade da "leitura", com classificações que podiam ser de "Muito Bem", "Bem" e "Leu", no caso dos aprovados, e de "Voltar à Universidade" ou "Reprovado", no caso dos que não eram considerados capazes para o serviço.
As lógicas de Antigo Regime, nomeadamente a possibilidade de recurso à graça régia, permitia abrir uma via para alguns dos candidatos que, no decurso das habilitações, tivessem sido reprovados, nomeadamente por motivos de "mecânica" de algum dos familiares. Para esses casos, o rei possibilitava a admissão ao serviço em troca da assinatura de um compromisso ("fazer termo") em servir a coroa em lugares ultramarinos, em caso de necessidade. Desta forma, tentava-se garantir a existência de candidatos a lugares que, sobretudo nos anos mais recuados do nosso período, se apresentavam como especialmente perigosos e que os juízes letrados tinham tendência a evitar. Os comentários estão fechados.
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AutorNuno Camarinhas, investigador do CEDIS, Faculdade de Direito da Universidade NOVA de Lisboa. HistóricoCategorias
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