Do alto desta base de dados, dois séculos de história nos contemplam. E também se poderia dizer que do alto desta base de dados, mais de vinte anos de história pessoal vos contemplam. A investigação que resultou no conjunto de dados que partilho neste site começou muito antes de existir muito do que me rodeia presentemente. Era outro mundo, quase. Tudo terá começado por volta de 1992, quando tive a sorte de colaborar num projecto coordenado pelo Prof. António Hespanha no Instituto de Ciências Sociais (ICS). Integrei a equipa que desenvolvia uma base de dados bio-bibliográfica sobre juristas portugueses que produziram literatura jurídica no Antigo Regime. O projecto chamava-se SILA (Storia Jurisprudentiae Lusitaniae Antiquae) e recorria ao que de mais moderno existia na altura - que era a plataforma dBase, que corria em DOS e exigia alguma paciência dos utilizadores não-iniciados. Essa mesma base de dados teve outras versões. Foi transposta para um produto de ponta que surgiu pouco depois, o askSam, que era um misto de base de dados estruturada e de base de dados de texto livre. Mas acabámos por concluir que não servia inteiramente os propósitos das buscas e acabou por fixar-se no Access da Microsoft. Eu era um jovem tarefeiro e, com os meus colegas, tinha como incumbência introduzir dados biográficos sobre autores, que pesquisava nos índices das Chancelarias Régias da Torre do Tombo. Foi a minha entrada no fascinante mundo do "trabalho de arquivo" e, ao mesmo tempo, no aliciante universo dos nossos "togados manes".
Comecei a desenvolver um interesse pessoal pelos autores que tinham servido lugares de justiça e, com o passar do tempo, fui pensando na hipótese de enveredar pelo estudo do grupo específico dos juízes letrados. Em conversas com o Prof. Hespanha a coisa cimentou-se e foi ser desenvolvida numa estadia de curta duração na Universidade de Copenhaga, no Institut for Humanistisk Informatik com quem o nosso grupo de investigação tinha contacto e que, na altura, dava passos inovadores no desenvolvimento de bases de dados prosopográficas, na exploração da dimensão de análise de redes e dos sistemas de informação geográfica em contexto histórico. Estávamos em 1995, ainda. Ali surgiu o embrião desta base de dados. Trabalhava, na altura, com uma amostragem de cerca de 600 indivíduos (menos de 10% do que viria a ser o universo total), construindo a estrutura e os mecanismos de exploração dos dados de uma base que, pouco depois, seria a ferramenta central na pesquisa que deu origem à minha tese de mestrado. Anos depois, viria o doutoramento na EHESS e, de uma amostragem, passei para o uso da totalidade do universo. Para essa decisão em muito pesou o fascínio que, entretanto, cresceu por uma documentação que, na base de dados SILA, se escondia por detrás de uma enigmática fórmula: «BNL, São Bento, "M.M.", cód. xxxx, fól. xxx». Tratava-se do Memorial de Ministros, da autoria, achava-se na altura, de Frei Luís de São Bento. Quando entrara nesse projecto, essa fonte já fora explorada por outros colegas, e eu só consultava os seus registos na base. Mas eram sempre os registos sobre carreiras na justiça e, por isso, a curiosidade foi aumentando em relação a uma fonte que parecia talhada para o que eu gostaria de estudar. Quando fui à Biblioteca Nacional para conhecer pessoalmente o Memorial de Ministros percebi tratar-se de um conjunto monumental de textos, resultado de anos e anos de trabalho e que, infelizmente, nunca tivera uma versão final. Rapidamente percebi que o que eu me propunha fazer já tinha sido tentado duzentos anos antes de mim, com a tecnologia disponível na época. Decidi, por isso, trabalhar com Fr. Luís de São Bento e, descobri nessa altura, com Fr. António Soares. Ali estava um manancial de informação esmagador. Mas convinha verificar do rigor do que era dito, até porque facilmente se entendia que nem todos os seus registos tinham o mesmo grau de certeza nem a mesma quantidade de informação. Um estudo prosopográfico é muito exigente na quantidade e uniformidade da informação e, por isso, o historiador em que eu me estava a tornar, iria ter que trabalhar outro tanto. O passo mais decisivo foi o tratamento dos livros que, repartidos entre a Torre do Tombo, a Biblioteca Nacional e a Biblioteca da Ajuda, fazem o assento dos exames da "leitura de bacharéis" uma vez que permitiam construir uma série muito sólida de todos os formados pela Universidade de Coimbra - um critério obrigatório para se ser admitido ao serviço da justiça desde o início do séc. XVI - que se propuseram a seguir os "lugares de letras". Assim, conseguia estabelecer com bastante certeza o universo global dos que serviram a coroa como juízes letrados, desde os juízes mais destacados àqueles que apenas serviram um lugar para depois desaparecerem dos arquivos. Cruzando com os dados do Memorial de Ministros, percebi que a série não era total porque a coroa cooptava professores de direito e outros juristas distintos para servir nos tribunais principais do reino, isentando-os, muitas vezes, da "leitura de bacharéis". Mas esses, por serem figuras destacadas do meio jurídico português, deixaram mais rasto e, por isso, eram menos difíceis de localizar. Com essa série fixada, a procura de dados era, finalmente, orientada e controlada. A estrutura da base de dados e a sua natureza relacional permitiam tornar a recolha mais eficiente, que foi o que fiz durante vários e prazenteiros anos. O grosso dos registos da base de dados estava fixado antes da redacção da tese de doutoramento. De então para cá, foi sendo corrigida pontualmente, acrescentada com dados que encontro ou que colegas me fazem chegar. Na realidade, e tal como o Memorial de Ministros, trata-se de um trabalho que nunca estará concluído. O passo que faltava dar, depois de todos estes anos em que a base tem estagiado no(s) meu(s) computador(es), era torná-la acessível ao estudiosos interessados no aparelho judicial português de Antigo Regime. Era uma tarefa complexa de fazer, sobretudo para quem, como eu, sabe mexer com o Access mas não domina minimamente os sistemas de partilha online de bases de dados como o SQL. Recentemente encontrei, numas buscas no Google, uma plataforma chamada Caspio que gere a disponibilização online de bases de dados Access sem necessidade de recurso, por parte do utilizador, a programação. Tudo funciona como se do Access se tratasse e, por isso, a partilha tornou-se, finalmente, uma possibilidade, sem necessidade a recorrer a intermediários. Durante estes anos todos, procurei sempre facultar os dados da minha base aos colegas que me contactaram mas achava que era importante que a minha mediação deixasse de ser necessária e que os investigadores pudessem fazer as buscas que entendessem com os critérios que quisessem. Este site procura permitir isso se bem que, por enquanto, sem todo o potencial que eu desejava. De qualquer forma, procurei contornar as limitações abrindo o mais possível as possibilidades de busca de forma a permitir encontrar quer a informação sobre um indivíduo específico, quer a aproximação a grupos de indivíduos que partilhem determinados critérios. Por se tratar de uma base de dados pessoal, é possível que contenha, ainda, erros de digitação, falhas na uniformização, uma ou outra nota pessoal ou lacunas por falta de consulta de determinada documentação. Para todas estas falhas, peço a compreensão do utilizador. Tentei corrigi-las e eliminá-las mas acredito que sem um sucesso esmagador. Para tentar remediar essas questões, abri neste site uma secção que permite o envio de mensagens que ajudem a corrigir ou a acrescentar a informação aqui reunida. Desde já agradeço as eventuais achegas. Quando chamei ao site Memorial de Ministros quis fazer a ponte entre este esforço de recolha e partilha de informação e o trabalho monumental que, ao longo do século XVIII, o Fr. Luís de São Bento e, depois, o Fr. António Soares, produziram e nos deixaram. Trata-se de uma espécie de Memorial de Ministros 2.0. |
AutorNuno Camarinhas, investigador do CEDIS, Faculdade de Direito da Universidade NOVA de Lisboa. HistóricoCategorias
Todos
|