Desde 1539 que, pela lei de 13 de Janeiro, era obrigatória a formação universitária em direito para exercer "ofícios de julgar" providos pela coroa e pelas jurisdições senhoriais donatárias. A formação em direito era, ao longo da época moderna, um exclusivo, em todo o mundo português, da Universidade de Coimbra. A oferta repartia-se entre a formação em direito canónico (Cânones) e em direito civil (Leis). O grau universitário mais comum neste longo período é o de bacharel, embora as Faculdade de Cânones e de Leis também outorgassem os graus de licenciado e de doutor. Os jovens formados em qualquer dos direitos que se candidatavam a ofícios de julgar, muitas vezes referidos pela documentação da época como "lugares de letras", eram, na sua esmagadora maioria bacharéis. No mundo extra-académico do quotidiano do Antigo Regime português, "bacharel" é o grau que normalmente identifica quem cursou a universidade em Coimbra e "letrado" é quase um seu sinónimo. "Letrado" era quem possuía as "Letras" e as "Letras" eram o conhecimento académico. Aos poucos, "bacharel" e "letrado" vão se tornando sinónimos de "jurista" e de "juiz". Outra palavra que entra neste universo de referências é a de "ministro" que identifica aquele que "exerce ofício e emprego de Justiça, ou Político, ou Evangélico, debaixo da subordinação aos Soberanos", segundo Bluteau. Quando falamos em "juízes letrados" usamos esta designação para os distinguir de outro tipo de juízes que com eles coexistiam na época moderna: os chamados "juízes ordinários", escolhidos pelos concelhos para onde a coroa ou os senhorios donatários não nomeavam juízes. Este "juízes ordinários", não-letrados, muitas vezes nem sequer saberiam ler. Aplicavam os usos e costumes na resolução dos conflitos dos seus concelhos. A mancha territorial dos concelhos que, desta forma, não estavam sob a jurisdição de juízes letrados nomeados pela coroa era importante, representando mais de dois terços da totalidade dos concelhos da época moderna. Os juízes letrados aplicavam a lei régia, seguiam as normas do direito erudito, ensinado na universidade. Estava-lhes aberta, também, a chamada "carreira das letras" que, na prática, era a possibilidade de um percurso de serviço de diferentes ofícios. O bom serviço num lugar poderia significar a nomeação para um novo lugar e essa nova nomeação obedecia a um princípio de promoção do juiz. Por outras palavras, a cada nova nomeação, o juiz deveria ver o seu estatuto e a importância do lugar aumentada. Este princípio prefigura o que entendemos por carreira. No entanto, apenas quando o juiz alcançava o estatuto de desembargador, isto é, quando ascendia a juiz de um dos tribunais de relação do reino ou do seu ultramar, é que essa nomeação era vitalícia. Até lá, não existia qualquer garantia de obtenção de novas nomeações. Contudo, ao longo da época moderna, e sobretudo com a entrada no século XVIII, observamos uma crescente tendência para a prossecução de percursos consistentes que nos permitem falar na existência de uma "carreira das letras" na época moderna, a que muitas vezes nos referimos como cursus honorum por descrever melhor a sucessão de ofícios. Os comentários estão fechados.
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AutorNuno Camarinhas, investigador do CEDIS, Faculdade de Direito da Universidade NOVA de Lisboa. HistóricoCategorias
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